sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Ciudad del Este - Paraguay


Ciudad del Este, Paraguai. Terceiro maior centro comercial do mundo perdendo apenas volume de negócios para Miami e Hong Kong. Aquele fim de mundo era a terra prometida na minha via-sacra consumista. A decisão da minha peregrinação até Assuncion em busca de preços ainda mais baixos e de acelerar o ritmo da aventura não foi aceite de ânimo leve. Por irrecusável exigência a primeira tentativa foi feita a pé já com a capital fora de questão no nosso mapa. De carro seria impossibilitada por um inevitável pedido de suborno no valor de 100 USD. Mas aquela primeira aproximação permitiu um curioso relance sobre o que a Ponte da Felicidade tinha para mostrar a dois europeus pouco hábeis nas realidades do terceiro mundo. Atravessando a ponte como formigas humanas carregadas de muamba, nacionais brasileiros deixavam apressadamente um país que confere legitimidade à polícia para deter qualquer cidadão sem ordem judicial e sem provas de que tenha cometido algum crime. Mas eles constituem apenas 10% da clientela, 90% dos negócios são realizados por grandes contrabandistas ligados a organizações criminosas internacionais a quem a polícia não chega nem a fazer cócegas. A zona com 7000 mesiteiros (nome dado na região para camelôs) é responsável por metade do PIB do país. Na cidade de tons quentes, enlameada e vestida de lixo respira-se a atmosfera de crime, contrabando e corrupção apadrinhada por homens armados de escopetas em cada virar de esquina.
A cidade é habitada por pedintes, arrumadores de carros, prostitutas menores formando um mix implacável de decadência humana. Provocando a desconfortável dualidade de realidades e partilhando o mesmo espaço físico, o shopping Mona Lisa têm para oferecer além do luxo, o mais insólito contraste: num ambiente que me lembrou novamente a sensação de frio fico atónita ao ver as estantes elegantemente decoradas por magníficos Fendi’s, Gucci, Louis Vuitton, Chanel e outros bens supérfluos de nenhuma necessidade só ao alcance das carteiras mais douradas.
Mas esta zona da triplica fronteira tem muito mais a esconder e a miséria humana não se esgota no pequeno crime praticado nas ruas, pensasse que a cidade poderá esconder uma possível célula da Al-Qaeda sob a cobertura da comunidade árabe e é certo que daqui partem generosos patrocínios que têm como destino organizações terroristas como o Hezbollah.
A minha experiência neste submundo fica para contar noutra data mas também eu me senti mais segura quando atravessei a Ponte da Felicidade e o Paraguai se transformou numa longínqua miragem.

3 comentários:

Quomodum disse...

Olá Francisca! Não tenho actualizado o meu blog uma vez que estive em Carreço, como sabes. Irei agora actualizar =b Já tu actualizaste e n foi pouco! lol vou ler hoje ou amanha o q escreveste, c mais calma. Bjs grandes do primo

Mabides disse...

Acabei de sacudir a poeira com que fiquei após ler esta descrição que mais parecia saída de um filme do Quentin Tarantino ... muito bom!
Becas a sítios como este ... só depois de tomar uma boa dose de PROZAC! É incrível os sítios que já vimos, e que apesar de perigosos também têm o seu encanto.
Adoro viajar contigo!
Bjs

Enrique B. disse...

olá francisca.
estava à procura de matar as saudades da minha cidade natal e encontrei as fotos deste teu post.
li antentamente seu texto & gostaria de fazer alguns comentários sobre esta sua breve descrição do paraguay, se me permitir.
não queria nem falar tanto sobre a pobreza financeira e materialista que você observou; imagino
como deve ser chocante, para um europeu, ver a série de coisas que as pessoas podem fazer por dinheiro neste mundo...
quanto a isso, apenas acho uma pena que não tenha ficado tempo suficiente (e em espaços suficientes, talvez a alguns poucos quilômetros mais longe desse formigueiro humanos às portas da fronteira com o brasil;
apesar do empobrecimento secular a que fomos submetidos, cultivamos algumas riquezas. o povo paraguaio é um povo simples e em maioria de bom coração, aberto aos estrangeiros, muito católico (da mesma maneira que, até onde sei, o seu país também é).
e posso apostar na humanidade dos paraguayos veementemente, pois tenho conhecimento de causa; morei na tríplice fronteira até os 18 anos e ainda volto a Ciudad del Este (até 1990 chamada "Pdte. Stroessner", em homenagem ao ditador) todas as férias para visitar meus parentes de lá.
mas bem, deixa eu ver se consigo separar um pouco o joio do trigo no teu depoimento sobre o "3º mundo" (termo que não estamos mais a usar, quando se trata de uma fina observação geopolítica; estamos a preferir a distinção países do Norte/países do Sul; já o presidente russo prefere falar de "mundo multipolar".. a frieza bipolar deve ter saído de moda, pelo visto..).

. o nome da ponte brasil/paraguay é Ponte da Amizade, e não da "Felicidade".
. provavelmente alguns policiais pedem suborno, mas não é inevitável, como você disse. há garantia de direitos, como em todo país democrático.
. os muambeiros, antes contrabandistas, foram, desde 2007 (ano de tua visita), no governo do atual pres. do Brasil, liberalizados como microempresários (apesar dos reclames de alguns comerciantes de ciudad del este, acostumados ao status de paraíso fiscal..).
. os homens de escopeta a que você se refere provavelmente são policiais ou seguranças de banco; se há mafiosos, terroristas ou qualquer outro monstro como esse, eles não saem às ruas - não assim, pelo menos. e olha q eu atravessei essa tal ponte praticamente a minha vida inteira, pois morava em ciudad del este e estudava num colégio de foz do iguaçu.
. o lixo das ruas some toda noite, depois que o movimento frenético de compra+venda diminui drasticamente.
. não é "certo que daqui partem generosos patrocínios que têm como destino organizações terroristas como o Hezbollah". os únicos terroristas que tenho ciência de que vieram procurar forças aqui na tríplice fronteira foram os mandados de Bush filho; à época do 11 de setembro, tivemos a visita paranóica do FBI - e ninguém se contagiou em definitivo com a paranóia. foi até divertido ver uns men in black, iguaizinhos aos dos hollymovies! há, sim, muitos árabes e descendentes de árabes ali. mas, até aí, qual o problema?
há alguns anos uns policiais de Londres tb ficaram com medo de um suspeito narigudo e mandaram bala, matando-o. o rapaz era um brasileiro, cara de bem, tentando ganhar a vida legalmente, bem no país que incentivou a Guerra do Paraguai (que dizimou 95% da população masculina do país, inclusive crianças, que já estavam a pegar em armas por seus pais e avós...).

você colocou bem o insólito contraste. realmente há uma enorme concentração de renda nas mãos de poucos. a cidade não é habitada só por pedintes e rueiros. há ricaços (como o dono da Monalisa, senhor que construiu uma mansão a lado da sua para seus EMPREGADOS DOMÉSTICOS no elitizado country club) e por uma classe média emergente, que adora umas comprinhas de vez em quando e da qual faço parte (se é que se pode ainda falar de mundos tripartites).

bom, era isso. no mais, me diverti com o seu pavor.